quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

EU JÁ ESTIVE DO LADO DE LÁ...




  Hoje, acordei pensando no meu filho como todos os dias, mas, em especial hoje, levantei da cama pensando nas famílias, que como eu, também perderam seus filhos amados. De repente me lembrei de como eu agia com essas pessoas, quando eu desconhecia a dor delas. Achava que sabia o que dizer, o que fazer por elas... mas não sabia de nada!! Embora tentasse dizer palavras de conforto, hoje entendo que tudo que eu disse não contribuiu em nada. Então decidi procurar algo com que eu pudesse me "justificar" e me lembrei de um texto lindo que já havia lido no perfil de uma amiga, o qual eu mesma já havia copiado e compartilhado nas redes sociais. Esse texto diz exatamente TUDO o que eu quero dizer às famílias com as quais hoje sou solidária. Um dia nós já estivemos deste lado da vida, do lado dos "expectadores" que apenas observam e tentam, como podem, ajudar. Mas hoje estamos aqui, do lado de cá do rio, o lado onde ninguém quer chegar, pois esse rio é gelado, de águas turvas e turbulentas, cheio de corredeiras e sumidouros e, uma vez estando deste lado, não se pode mais voltar!! Compartilho com vocês o texto que me fez entender o que realmente significam os dois lados do rio...




Eu já estive do Lado de Lá...
(texto de Luciana Araújo)
   Já fiz parte do grande número de famílias que moram na outra margem deste rio, belo e misterioso, que é o trilho que percorremos neste mundo. São pais, mães e filhos, que tem a felicidade de poderem se abraçar todos os dias, de partilharem suas emoções e sonhos.
  Naquele tempo, eu vivia com a tranqüilidade de uma pessoa adulta, pouco dada ao pessimismo e possuidora da maturidade própria para enfrentar e ultrapassar os obstáculos que apareciam pelo caminho
  Quando ouvia falar de pais a quem a morte havia roubado um filho, eu sentia um grande pesar, ficava tristemente impressionada e tornava-me solidária com a sua dor. Ao meu jeito, tentava lhes levar algum conforto. Era sensível a sua mágoa, era amiga, enfim, acreditava que compreendia e conseguia consolar.  
  Mas, depois de algum tempo, voltava à normalidade dos meus dias, às solicitações que a minha vida me impunha e, mesmo sem perceber, ia aos poucos ficando alheia da tragédia desses pais. Talvez pensando que respeitava o silêncio da sua dor ou achando que o tempo, ao passar, poderia fazer mais por eles do que eu. Pressentia até que não queriam ser perturbados e que impunham, mesmo, um afastamento.
  Mas chegou o dia em que a minha vida mudou. 
  O MEU filho morreu.
  Passei, então, para este Lado. Para a margem do Rio onde vive uma multidão de pais e mães, feridos, destroçados, com corações pra sempre mutilados. Casas onde há um lugar vazio, onde se chora a partida, sem retorno, de um filho querido.
  Inconsolável, achava que nada mais poderia me aliviar. Sentia que muitas pessoas se afastavam, fartas das minhas lágrimas e do meu sofrimento. As palavras que me eram dirigidas me feriam ainda mais, não tinham qualquer sentido e não conseguiam me consolar.
  Cansada de sofrer, comecei por construir barreiras protetoras que me defendessem. Não queria mais sofrimento, não queria mais ser magoada e sabia que era difícil que alguém entendesse a luta que se travava no meu íntimo, no meu coração e na minha alma.
  A morte do meu filho projetou-me para um poço escuro e tornei-me distante, inacessível, fechada para o mundo. Achava que amigos, conhecidos, colegas e até alguns familiares, se distanciavam de mim. Não falavam do meu filho, e percebia que havia um certo embaraço quando nos encontrávamos.
  A cruz era minha e eu via os dias a amanhecer, uns atrás dos outros, sem que o meu tormento se atenuasse. Dias, semanas, meses passavam e ninguém me compreendia.
  Mas algo foi se operando em mim e se ajeitando aos poucos em meu coração.
  Comecei a aceitar a minha perda e assim dar espaço a mim mesma para chorar e me libertar da culpa, da revolta e da angústia que me sufocava. Repensei a minha vida e percebi que a análise que passei a fazer da morte -- sobretudo da morte de um filho -- era bem diferente daquela que eu teria feito quando vivia na Outra Margem do Rio, quando desconhecia totalmente a profundidade e dimensão desta dor. 
  Compreendi que só quando uma parte de nós morre, é que nos sentimos almas gêmeas de outros pais a quem aconteceu o mesmo.
  Antes, eu também não tinha capacidade para compreender e ficar ao lado, infinitamente, daqueles a quem a morte tinha mutilado.
  Hoje, já vejo com clareza que o abandono que senti por parte de pessoas que se movimentavam no meu mundo, só teve como causa o mistério que a morte encerra e o quanto é doloroso falar dela. E, quando se trata de um filho, apenas quem está muito chegado a nós ou alguém que já entrou na mesma estrada de luto, pode nos compreender verdadeiramente. Isto é humano. Hoje entendo... hoje compreendo que não era insensibilidade das pessoas...
  Eu, que vivo hoje deste Lado, não posso me esquecer que já estive antes na Outra Margem. E como agi naquele tempo com os Outros a quem tinha morrido um filho? Talvez da mesma forma que hoje agem comigo.
  Agora eu sei qual o modo como poderia ter sido ajudada. Quais as palavras que não queria ter ouvido e como desejava que me deixassem falar desse meu ser amado, que a morte tão cedo ceifou.
  Queria, desesperadamente, que me escutassem. 
  Por isso, hoje, eu sei como chegar aos que vivem tranqüilamente na Outra Margem.
   Assim, não me sinto magoada ainda mais... Se eles não sabem como se dirigir a mim, se não sabem as palavras certas, se não entendem meu comportamento... lembro-me que eu, um dia, também já estive do Lado de Lá... e também desconhecia a magnitude desta dor.

3 comentários:

  1. nossa amiga... que incrível... fico muito feliz por vc... ainda que com a asa ferida pra sempre, sabe que não pode parar de voar... nem que seja baixinho, mas o suficiente pra ensinar o Felipe a voar tb. Parabéns!
    Mas um recado a todos que perderam seus pedaços (sei que ainda estou deste lado da margem, mas um dia todos passam para o outro lado) "E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas. Apoc. 21:4" eu acredito na veracidade dessas palavras e sei que isso está muito perto de acontecer... é assim que nos consolamos uns aos outros... com essa esperança... te amo amiga!

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  2. Amiga, obrigada pelo carinho e pela força de sempre!! Com certeza essa é a nossa esperança, o que nos motiva ainda mais a colocar Deus em primeiro lugar na nossa vida e que nos dá a certeza do reencontro.. nas outras postagens você vai ver como isso tem sido o meu lema diário... Fique com Deus.. também te amo!!! =)

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  3. Lili, seu blog está lindo!! Parabéns! É disso que precisamos, de um espaço para dividir o luto, mas de uma forma saudável e que nos leve para frente, e não para trás nesse processo, que por si só, é tão doloroso! bjs

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