quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A História de Uma Folha


 de Leo Buscaglia

A primavera passou. E o verão também. 
Era uma vez uma folha, que crescera muito. A parte intermediária era larga e forte, as cinco pontas eram firmes e afiladas. Surgiu na primavera, como um pequeno broto num galho grande, perto do topo de uma árvore alta. A folha estava cercada por centenas de outras folhas, iguais a ela. Ou pelo menos assim parecia. Mas não demorou muito para que descobrisse que não havia duas folhas iguais, apesar de estarem na mesma árvore. 
Alfredo era a folha mais próxima. Mário era à folha a sua direita. Clara era a linda folha por cima. Todos haviam crescido juntos. Aprenderam a dançar a brisa da primavera, a se esquentar indolentemente ao Sol do verão, a se lavar na chuva fresca. Mas Daniel era seu melhor amigo. Era a folha maior no galho e parecia que lá estava antes de qualquer outra. A folha achava que Daniel era o mais sábio. Foi Daniel quem lhe contou que era parte de uma árvore. Foi Daniel quem explicou que estavam crescendo num parque público. Foi Daniel quem revelou que a árvore tinha raízes fortes, escondidas na terra lá embaixo. Foi Daniel quem falou dos passarinhos que vinham pousar no galho e cantar pela manhã. Foi Daniel quem contou sobre o sol, a lua, as estrelas e as estações. 
Fred (Alfredo) adorava ser uma folha. Amava o seu galho, os amigos, o seu lugar bem alto no céu, o vento que o sacudia, os raios de Sol que o esquentavam, a Lua que cobria de sombras suaves. O verão fora excepcionalmente ameno. Os dias quentes e compridos eram agradáveis, as noites suaves eram serenas e povoadas por sonhos. Muitas pessoas foram ao parque naquele verão. E sentavam sob as árvores. Daniel contou à folha que proporcionar sombra era um dos propósitos das árvores. 
- O que é um propósito? - Perguntou a folha. 
- Uma razão para existir - respondeu Daniel - tornar as coisas mais agradáveis para os outros é uma razão para existir. Proporcionar sombra aos velhinhos que procuram escapar do calor de suas casas é uma razão para existir. Oferecer um lugar fresco onde as crianças possam brincar. Abanar com as nossas folhas as pessoas que vem fazer piqueniques, com suas toalhas quadriculadas. Tudo isso são razões para existir. A folha tinha um encanto todo especial pelos velhinhos. Sentavam em silêncio na relva fresca, mal se mexiam. E quando conversavam era aos sussurros, sobre os tempos passados. As crianças também eram divertidas, embora às vezes abrissem buracos na casca da árvore ou nelas esculpissem seus nomes. Mesmo assim era divertido observar as crianças. 
- Mas o verão da folha não demorou a passar... 
E chegou ao fim numa noite de outubro. A folha nunca sentira tanto frio. Todas as outras folhas estremeceram com o frio. Ficaram todas cobertas por uma camada fina de branco, que num instante se derreteu e deixou-as encharcadas de orvalho, faiscando ao Sol. Mais uma vez foi Daniel quem explicou que havia experimentado a primeira geada, o sinal de que era outono e que o outono viria em breve. 
Quase que imediatamente, toda a árvore, mais do que isso, todo o parque, se transformou num esplendor de cores. Quase não restava qualquer folha verde. Alfredo se tornou de um amarelo intenso. Mário adquiriu um laranja brilhante. Clara virou de um vermelho ardente. Daniel estava púrpura. E a folha ficou vermelha, dourada e azul. Todos estavam lindos. A folha e seus amigos converteram a árvore num arco-íris. 
- Porque ficamos com cores diferentes, se estamos na mesma árvore? - Perguntou a folha. 
- Cada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes. 
Recebemos o Sol de maneira diferente. Projetamos a sombra de maneira diferente. Por que então não teríamos cores diferentes? Foi Daniel, como sempre, quem falou. E Daniel contou ainda que aquela estação maravilhosa se chamava outono. 
E um dia aconteceu uma coisa muito estranha. A mesma brisa que, no passado, os fazia dançar começou a empurrar e puxar suas hastes, quase como se estivesse zangada. Isso fez com que algumas folhas fossem arrancadas de seus galhos e levadas pela brisa, reviradas pelo ar, antes de caírem suavemente ao solo. Todas as folhas ficaram assustadas. O que está acontecendo?...perguntaram umas as outras, aos sussurros. 
- É isso o que acontece no outono - explicou Daniel. É o momento em que as folhas mudam de casa. Algumas pessoas chamam a isso de morrer. 
- E todos nós vamos morrer? perguntou a folha. 
- Vamos sim, respondeu Daniel. - Tudo morre. Grande ou pequeno, fraco ou forte, tudo morre. Primeiro, cumprimos a nossa missão. Experimentamos o Sol e a Lua, o vento e a chuva. Aprendemos a dançar e a rir. E depois morremos. 
- Eu não vou morrer! - exclamou a folha, com determinação. - Você vai, Daniel? 
- Vou, sim... quando chegar meu momento. 
- E quando será isso? 
- Ninguém sabe com certeza respondeu Daniel. 
A folha notou que outras folhas continuavam a cair. E pensou: "deve ser o momento delas." Ela viu que algumas reagiam ao vento, outras simplesmente se entregavam e caiam suavemente. Não demorou muito para que a árvore estivesse quase despida. 
- Tenho medo de morrer - disse a folha a Daniel - não sei o que tem lá embaixo. 
- Todos temos medo do que não conhecemos. Isso é natural - disse Daniel para anima-la. 
- Mas você não teve medo quando a primavera se transformou em verão. E também não teve medo quando o verão se transformou em outono. Eram mudanças naturais. Por que deveria estar com medo da estação da morte? 
- A árvore também morre? perguntou a folha. 
- Algum dia vai morrer. Mas há uma coisa que é mais forte do que a árvore. É a vida. Dura eternamente e somos todos uma parte da Vida.
- Para onde vamos quando morremos? 
- Ninguém sabe com certeza. É o grande mistério. 
- Voltaremos na primavera? 
- Talvez não. Mas a vida voltará!. 
- Então qual é a razão para tudo isso? - insistiu a folha - Por que viemos para cá, se no fim teríamos de cair e morrer? 
Daniel respondeu no seu jeito calmo de sempre: - Pelo sol e pela lua; pelos tempos felizes que passamos juntos; pela sombra; pelos velhinhos; pelas crianças; pelas estações. Não é razão suficiente? 
Ao final daquela tarde, na claridade dourada do crepúsculo, Daniel se foi. E caiu a flutuar. Parecia sorrir enquanto caia – adeus por enquanto - disse ele à folha. 
E, depois, a folha ficou sozinha, a única que restava em seu galho. A primeira neve caiu na manhã seguinte. Era macia, branca e suave. Mas era muito fria. Quase não houve sol naquele dia... e foi um dia curto. A folha se descobriu a perder a cor, a ficar cada vez mais frágil. Havia sempre frio e a neve pesava sobre ela. E quando amanheceu veio o vento que arrancou a folha do seu galho. Não doeu. Ela sentiu que flutuava no ar, muito serena. 
E, quando caía, ela viu a árvore inteira pela primeira vez. Como era forte e firme! Teve certeza de que a árvore viveria por muito tempo, compreendeu que fora parte de sua vida. E isso a deixou orgulhosa. 

A folha pousou num monte de neve. Estava macio, até mesmo aconchegante. Naquela nova posição, a folha estava mais confortável do que jamais se sentira. Ela fechou os olhos e adormeceu. Não sabia que a primavera se seguiria ao inverno, que a neve se derreteria e viraria água. Não sabia que a folha que fora, seca e aparentemente inútil, se juntaria com a água e serviria para tornar a árvore mais forte. E, principalmente, não sabia que ali, na árvore e no solo, já havia planos para novas folhas na primavera.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Um Sonho Quase Real...

  Desde que Samuel partiu eu tenho pensando, diariamente, em ter outro bebê. Sinto tanta falta daquele chorinho, daquela coisinha pequena e mesmo sabendo que ele nunca será substituído eu ainda sei que um outro bebê preencheria um pouco do vazio que ficou e daria outro sentido nos meus dias. Mas bem... Esse é um plano que Deus sabe a hora certa para acontecer.


  Essa noite eu tive um sonho lindo! Sonhei que dava à luz outro bebezinho, tão lindo quanto Samuel. Tinha até nome! E no sonho fomos até o cartório registrá-lo, com ele nos braços, coisa que com Samuel não pudemos fazer, pois fizemos o registro junto com a certidão de óbito. Eu olhava aquele bebê e tinha certeza de que Deus estava me olhando, realizando o meu sonho, atendendo o meu pedido. Nesse momento consigo mensurar, consigo materializar o sentimento maternal daquele sonho, com um bebê nos braços, lindo e saudável!


  Só quem perde um filho sabe o valor real que cada minuto ao lado daquele filho tem! E só quem perde um filho entende do que eu estou falando. Não estou excluindo as mães dedicadas, que dariam a vida por seus filhos para vê-los bem, nem estou dizendo que é preciso perder um filho para aprender a dar valor a ele. Mas estou dizendo que a partir do momento que temos o direito da maternidade negado por alguma circunstância, sentimos uma impotência ímpar, em saber que aquele ser, a quem nos dedicamos, por quem enfrentamos tudo e enfrentaríamos todos, não pôde ficar ao nosso lado para nos dar a vitória dessa luta. A sensação é de FRACASSO... simplesmente!!!


  Sentindo aquele bebê nos braços, mesmo que por alguns instantes, eu sentí o quanto Deus me ama e o quanto ele se importa comigo. Mesmo talvez achando que esse não seja o momento certo para me dar outro bebê, Ele me proporciona os momentos que eu preciso para me sentir em paz. Nem preciso dizer que quando o dia amanheceu a emoção ficou à flor da pele. 


  Pois bem, acordei, com aquele sentimento bom que só eu consigo entender e não sou capaz de expressar, liguei o meu computador e imediatamente me deparo com uma mensagem de uma amiga, que recentemente perdeu sua bebezinha amada, cuja história, inclusive, se encontra nesse blog ( Muito Além do Entendimento). 
Na mensagem ela dizia: "Amiga, estou grávida de 5 semanas!" 


  Imediatamente meus olhos lacrimejaram, tamanha foi a minha felicidade! Só quero desejar a minha amiga Carolina que esse bebê venha com tanta saúde e bênçãos quanto sua família for capaz de receber e que a alegria volte a fazer parte da vida dessa família assim como eu espero que um dia ela faça parte da minha de novo!


  (deu muito na cara que meu dia está nostálgico? rsrs)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Calendário AACC Pequenos Corações 2012

Pessoal, ano passado eu divulguei o calendário da Pequenos Corações que é a Associação que cuida dos nossos cardiopatas em SP. Como a maioria sabe eu fiquei lá por 36 dias, junto comigo estava o Felipe, na época com 2 anos e 4 meses, demos bastante trabalho para a AACC rsrs. Ali eu aprendi muito, sobretudo aprendi a ter fé, a esperar mais de Deus do que da minha própria capacidade de resolver as coisas. A AACC Pequenos Corações depende exclusivamente de doações, ou seja, são pessoas de bom coração ajudando os corações especiais que ali permanecem pelo tempo que for necessário. Nosso Samuel participa do calendário na página de homenagens aos "anjos" e vocês podem conferir a fotinho dele na imagem acima, o nome quase não aparece, mas ele é o último da fileira do meio, dormindo tranquilo.




Gostaria de pedir a vocês, que precisarem de um lindo calendário e quiserem um produto com boa qualidade e delicadeza, que adquiram os calendários da Pequenos Corações. Cada calendário custa apenas R$10,00 + frete e você pode pedir até 20 calendários pelo mesmo frete. Pra você será um lindo calendário e para as crianças cardiopatas será o presentinho da páscoa, o aluguel dos dois quartos que a Associação ocupa no hotel, a água mineral que tem que ser comprada pois a água do hotel não é potável, o jantar de muitas mãezinhas que não tem nenhuma moeda para comprar sequer um copo de leite,  assim como muitas outras despesas que são pagas por pessoas que, assim como você, decidiram ajudar. Os calendários são responsáveis pela maior parte da renda da Pequenos Corações durante o ano todo, então é preciso vender bastante no início do ano pois com o passar dos meses eles vão ficando de lado e perdendo o valor financeiro, considerando que todos já terão seus calendários. E somente somando as vendas do início do ano é que se pode ter uma média de valores que poderão ser gastos durante todo o ano, em cada mês.


Entre no site abaixo e veja como encomendar seu lindo calendário. Ajude a Pequenos Corações a ajudar nossas crianças. Eu já fiz a minha parte, e você??






veja o making off do calendário institucional aqui: http://www.youtube.com/watch?v=Zwp3K9lmaPU


veja os calendários institucional e tradicional no site: http://pequenoscoracoes.com/




A Pequenos Corações conta com a sua ajuda!!! Participe dessa corrente do bem!


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

1 ano depois da BOMBA!!!

Quando uma bomba é detonada, ela sai atingindo tudo que estiver à sua volta e somente depois que o efeito radioativo passa é que os estragos podem ser realmente calculados. Depois de saber o tamanho do estrago, o tamanho do prejuízo e o trabalho que vai dar pra levantar tudo de novo é que se pode parar pra avaliar até que ponto aquela bomba atingiu a sua vida. E em todos os casos ela sempre destrói algo que nunca mais poderá ser refeito.


Hoje, dia 9 de fevereiro, completa-se 1 ano que eu recebí nas mãos o laudo do ecocardiograma fetal, feito em São Paulo, com a Dra Simone Pedra. Nele eu lí a última coisa que eu pretendia ver num resultado de ecografia... 


Alguém aí consegue imaginar o que é ler uma sentença de morte??? Não, eu não estou falando da SUA sentença... estou falando da sentença de morte do SEU FILHO!!!


Foi assim que eu fui traduzindo as palavras que lia. 


A notícia foi como uma bomba nas nossas vidas, nós já sabíamos o que aquilo significava, mas nós também sabíamos o que tínhamos que fazer... e foi isso que fizemos!!!


Samuel teve tudo que precisou... a melhor equipe, o melhor atendimento... a maior dedicação... de todos... e o maior amor!!! Amor esse que é pra sempre, que ultrapassa os limites impostos pela vida e pela morte. 


Há 1 ano atras eu havia chegado em São Paulo, com uma mala pequena mas com muita esperança. E no coração eu levava o AMOR!


Imaginar o que PODE acontecer é uma coisa... Ter CERTEZA do que VAI acontecer é uma outra coisa... no nosso caso não era uma coisa e nem outra, nós sabíamos o que Poderia acontecer e esperávamos que NÃO acontecesse... porém... aconteceu!!!


A bomba???? Não sabemos o princípio ativo!!! 
A lição???? Mais vale um minuto ao seu lado, do que uma eternidade sem você!!!!


Foto na Sede da Pequenos Corações em 09.02.11, com Márcia Adriana e Carol


Ainda continuamos juntando os pedaços do que a bomba estraçalhou... mas o que antes era dor, agora é só SAUDADE!!!!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Praia ou Escola????

"Mamãe, eu não quero ir pra escola... quero ir pra PRAIA!"
 Esse foi o argumento que o Felipe usou para tentar fugir do primeiro dia de aula, hoje.

Nosso dia começou com um largo sorriso, tentando nos convencer de que a praia era melhor que a escola... com certeza ele teria razão, não fosse pelo simples fato da praia mais próxima ficar a pouco mais de 1.000km daqui. Mas valeu a tentativa, filhão!




Saí de casa preparada para um chororô daqueles, do tipo que deixa até o dono da padaria em frente compadecido. Ele sempre deu trabalho pra ir pra creche nos primeiros dias e eu tinha certeza que não seria diferente hoje. No caminho fui tentando convencê-lo de que os amiguinhos do ano passado estavam esperando por ele, que seria legal brincar no parque e que as tias contariam lindas histórias. E ele sempre: "Tá bom, mãe".

Chegando no portão da escola, desci do carro, tirei o Felipe da cadeira e já comecei, antes dele, querer chorar uma "dó" antecipada... ahhhh como eu queria poder ficar com o meu filho o dia inteiro em casa, desenhando, pintando, contando histórias que ele adora ou apenas "lambendo a minha cria". Cheguei na portaria pensando que talvez tivesse que voltar com ele pra casa, pra não obrigá-lo a ficar hoje, no primeiro dia, no meio de tanta choradeira... mas ele ainda não estava chorando! (????)

Quando a monitora veio nos receber, ele soltou a minha mão, pegou a mochila, me deu um beijo e abriu um sorriso tão lindo e disse: "vem me buscar, tá, mãe?"

"Tá bom, meu amor!" foi tudo que eu consegui dizer antes que ele entrasse correndo!!


Meu garotinho está crescendo!!!!

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A Prova de Fogo!!!

Gente, várias vezes, depois de voltar pra casa, eu me revoltei, chorei, gritei, esperneei. Faz parte do processo. Nas primeiras semanas eu nao aceitava (na verdade ainda nao aceito mas ja nao falo nada) que ninguem dissesse que tinha sido melhor assim, pois ninguém é Deus pra dizer o que era melhor pro meu filho. Mas eu aceitei a vontade de Deus desde o começo, sempre com a consciencia de que Deus sempre faz o que é melhor. Que todas as atitudes de Deus são pra nos poupar, porque Ele nos ama. Vez em quando ainda posto algo sobre a saudade que sinto dele. Mas comecei a sentir eu mesma, que os comentários sem fim sobre a minha dor, estavam me prejudicando, me deixando deprimida, e me afastando das pessoas que nao sabiam mais o que dizer pra tentar me consolar. Diante disso decidi levantar a cabeça, não há nada que possa ser feito a respeito da morte do Samuel, mas há muito que pode ser feito a respeito da minha vida, da vida do meu outro filho e da minha família e não posso simplesmente deixar que a dor da perda de um filho estrague todo o resto da minha vida... a dor tem um lugar só pra ela, a saudade eh constante, nao tem um minuto sequer que nao penso no meu filho, ainda choro sim, ainda sofro sim, ainda me revolto sim, mas isso é uma coisa só minha, que eu lido com ela sozinha. Nao me nego o direito de sofrer e de chorar. Falo do meu filho pra quem eu quero, quando eu sinto vontade de falar, e antes, quando eu falava com pesar, com a voz embargada pelo choro, as pessoas nem sabiam o que fazer ou o que falar, hoje, quando encho o peito de orgulho e conto a história de luta que tivemos (e da qual nos considero vencedores) as pessoas me abraçam, me dao palavras de carinho, de força, mas sem se sentirem obrigadas a isso! Enfim... Cada dia que passa a dor aumenta ao invés de diminuir, mas dentro de mim eu tento transformar essa dor em saudade e força pra continuar. Pois eu acredito na teoria de que o ferro, pra se tornar uma linda panela, tem que antes passar pelo fogo e pelas marteladas. Hoje sou uma pessoa melhor porque Samuel passou na minha vida. E a liçao de vida que ele me deixou vale mais que qualquer tesouro do mundo. ele me ensinou a ser FORTE!!!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

EU JÁ ESTIVE DO LADO DE LÁ...




  Hoje, acordei pensando no meu filho como todos os dias, mas, em especial hoje, levantei da cama pensando nas famílias, que como eu, também perderam seus filhos amados. De repente me lembrei de como eu agia com essas pessoas, quando eu desconhecia a dor delas. Achava que sabia o que dizer, o que fazer por elas... mas não sabia de nada!! Embora tentasse dizer palavras de conforto, hoje entendo que tudo que eu disse não contribuiu em nada. Então decidi procurar algo com que eu pudesse me "justificar" e me lembrei de um texto lindo que já havia lido no perfil de uma amiga, o qual eu mesma já havia copiado e compartilhado nas redes sociais. Esse texto diz exatamente TUDO o que eu quero dizer às famílias com as quais hoje sou solidária. Um dia nós já estivemos deste lado da vida, do lado dos "expectadores" que apenas observam e tentam, como podem, ajudar. Mas hoje estamos aqui, do lado de cá do rio, o lado onde ninguém quer chegar, pois esse rio é gelado, de águas turvas e turbulentas, cheio de corredeiras e sumidouros e, uma vez estando deste lado, não se pode mais voltar!! Compartilho com vocês o texto que me fez entender o que realmente significam os dois lados do rio...




Eu já estive do Lado de Lá...
(texto de Luciana Araújo)
   Já fiz parte do grande número de famílias que moram na outra margem deste rio, belo e misterioso, que é o trilho que percorremos neste mundo. São pais, mães e filhos, que tem a felicidade de poderem se abraçar todos os dias, de partilharem suas emoções e sonhos.
  Naquele tempo, eu vivia com a tranqüilidade de uma pessoa adulta, pouco dada ao pessimismo e possuidora da maturidade própria para enfrentar e ultrapassar os obstáculos que apareciam pelo caminho
  Quando ouvia falar de pais a quem a morte havia roubado um filho, eu sentia um grande pesar, ficava tristemente impressionada e tornava-me solidária com a sua dor. Ao meu jeito, tentava lhes levar algum conforto. Era sensível a sua mágoa, era amiga, enfim, acreditava que compreendia e conseguia consolar.  
  Mas, depois de algum tempo, voltava à normalidade dos meus dias, às solicitações que a minha vida me impunha e, mesmo sem perceber, ia aos poucos ficando alheia da tragédia desses pais. Talvez pensando que respeitava o silêncio da sua dor ou achando que o tempo, ao passar, poderia fazer mais por eles do que eu. Pressentia até que não queriam ser perturbados e que impunham, mesmo, um afastamento.
  Mas chegou o dia em que a minha vida mudou. 
  O MEU filho morreu.
  Passei, então, para este Lado. Para a margem do Rio onde vive uma multidão de pais e mães, feridos, destroçados, com corações pra sempre mutilados. Casas onde há um lugar vazio, onde se chora a partida, sem retorno, de um filho querido.
  Inconsolável, achava que nada mais poderia me aliviar. Sentia que muitas pessoas se afastavam, fartas das minhas lágrimas e do meu sofrimento. As palavras que me eram dirigidas me feriam ainda mais, não tinham qualquer sentido e não conseguiam me consolar.
  Cansada de sofrer, comecei por construir barreiras protetoras que me defendessem. Não queria mais sofrimento, não queria mais ser magoada e sabia que era difícil que alguém entendesse a luta que se travava no meu íntimo, no meu coração e na minha alma.
  A morte do meu filho projetou-me para um poço escuro e tornei-me distante, inacessível, fechada para o mundo. Achava que amigos, conhecidos, colegas e até alguns familiares, se distanciavam de mim. Não falavam do meu filho, e percebia que havia um certo embaraço quando nos encontrávamos.
  A cruz era minha e eu via os dias a amanhecer, uns atrás dos outros, sem que o meu tormento se atenuasse. Dias, semanas, meses passavam e ninguém me compreendia.
  Mas algo foi se operando em mim e se ajeitando aos poucos em meu coração.
  Comecei a aceitar a minha perda e assim dar espaço a mim mesma para chorar e me libertar da culpa, da revolta e da angústia que me sufocava. Repensei a minha vida e percebi que a análise que passei a fazer da morte -- sobretudo da morte de um filho -- era bem diferente daquela que eu teria feito quando vivia na Outra Margem do Rio, quando desconhecia totalmente a profundidade e dimensão desta dor. 
  Compreendi que só quando uma parte de nós morre, é que nos sentimos almas gêmeas de outros pais a quem aconteceu o mesmo.
  Antes, eu também não tinha capacidade para compreender e ficar ao lado, infinitamente, daqueles a quem a morte tinha mutilado.
  Hoje, já vejo com clareza que o abandono que senti por parte de pessoas que se movimentavam no meu mundo, só teve como causa o mistério que a morte encerra e o quanto é doloroso falar dela. E, quando se trata de um filho, apenas quem está muito chegado a nós ou alguém que já entrou na mesma estrada de luto, pode nos compreender verdadeiramente. Isto é humano. Hoje entendo... hoje compreendo que não era insensibilidade das pessoas...
  Eu, que vivo hoje deste Lado, não posso me esquecer que já estive antes na Outra Margem. E como agi naquele tempo com os Outros a quem tinha morrido um filho? Talvez da mesma forma que hoje agem comigo.
  Agora eu sei qual o modo como poderia ter sido ajudada. Quais as palavras que não queria ter ouvido e como desejava que me deixassem falar desse meu ser amado, que a morte tão cedo ceifou.
  Queria, desesperadamente, que me escutassem. 
  Por isso, hoje, eu sei como chegar aos que vivem tranqüilamente na Outra Margem.
   Assim, não me sinto magoada ainda mais... Se eles não sabem como se dirigir a mim, se não sabem as palavras certas, se não entendem meu comportamento... lembro-me que eu, um dia, também já estive do Lado de Lá... e também desconhecia a magnitude desta dor.